A espécie
Olá amigos leitores da Revista
Pássaros Exóticos! Nesta edição estamos juntos mais uma vez para falarmos de
mais uma espécie de Passeriforme exótico: o Calafate. Foi a minha terceira
espécie de exóticos que criei na vida, ficando atrás dos Diamantes Mandarins e Manons
do Japão, respectivamente. Entretanto, é a espécie que mais amei criar e é sem
sobras de dúvidas, o exótico que eu mais admiro, seguido pelos diamantes
mandarins.
Existem
duas espécies de Calafates: Lonchura
oryzivora, a tradicional bem conhecida por nós, e a Lonchura fuscata, popularmente chamada de Calafate de Timor. Mais
uma vez, como a maioria dos Passeriformes exóticos criados no Brasil, ambos os Calafates
pertencem à Família Estrildidae, a mesma dos Goulds e Mandarins.
O táxon
Família representa um agrupamento monofilético, onde todas as espécies derivam
de um descendente comum. Mas mesmo dentro de uma família existem várias
linhagens ou ramificações (como tronco e galhos de uma mesma árvore), e estudos
recentes mostram que os Calafates estão dentro da linhagem das Munias e do Manon,
isto é, dos Lonchura. Ao se observar uma Munia (Lonchura striata), um Calafate
de Timor (Lonchura fuscata) e um Calafate (Lonchura oryzivora), pode-se reparar características em comum, como por
exemplo, o formato cônico do bico. Dar-se-á até para visualizar um gradiente de
mudanças fenotípicas entre os três, isto é, um Calafate de Timor é ao mesmo
tempo parecido com uma Munia e com um Calafate, como se representa-se uma
ramificação ocorrida bem no meio do caminho evolutivo.
Por tal
motivo, na publicação dos “Handbooks of
the Birds of the World” (Manuais das Aves do Mundo) de 2010, os dois Calafates
perderam o gênero Padda e passaram a ser Lonchura. Tal fato é corroborado pela
capacidade dos calafates em se hibridarem não só com os Calafates de Timor,
como também com o Manon do Japão.
Sendo o
Calafate originalmente uma espécie endêmica, sua área de distribuição natural
estava restrita ao país da Indonésia, mais precisamente nas ilhas de Java, Bali
e Sumatra. Porém, provavelmente em função da difusão feita
pela avicultura, a espécie é encontrada em forma livre em outras regiões do
globo, como na ilha de Bornéo (da própria Indonésia), China, Japão, África
Oriental, arquipélago do Hawaii e Flórida, sendo os dois últimos lugares
estados norte-americanos. Já o seu primo está
restrito à Ilha que lhe deu o nome: Timor.
Em sua distribuição geográfica
natural, os Calafates habitam regiões de arbustos esparsos, perto de bambuzais
e plantações de arroz. Aliás, ele é um grande devorador das sementes de bambus
e, após o avanço da agricultura na região, de arroz, sendo considerada uma
verdadeira praga no cultivo. Por tal motivo, aliado à caça do passado para
sustentar a venda de exemplares e à morte em massa por meio de pesticidas e
avecidas, o Calafate possui o status
de conservação vulnerável, sendo incluído no anexo II da CITES, levando a
espécie ao anexo A das Instruções Normativas 03/11 e 18/11 do IBAMA.
O Calafate é
considerado uma grande espécie para sua família, possuindo seus 14 cm de
comprimento, podendo chegar, nos padrões de cativeiro, aos 16 ou 17 cm. Seu
primo de Timor possui o tamanho padrão dos estrildídeos, com seus 12 cm de comprimento.
Como as demais
Lonchuras, os Calafates possuem em seu padrão de cor somente a presença das
melaninas. O interessante no Calafate (Lonchura
oryzivora) é que não ocorre deposição melânica em seus pés e bico, que,
aliás, é vermelho em função do sangue que circula dentro dele. Portanto, a cor
do bico dos Calafates é um importante indicador do estado de saúde do animal,
onde problemas resultam em palidez dos mesmos.
O nome popular
Calafate vem do verbo calafetar, isto é, vedar. O motivo para o nome é o fato
dos ninhos dos Calafates selvagens serem bolas bem vedadas, permanecendo apenas
uma única abertura para entrada e saída do ninho. Até hoje em cativeiro os
Calafates preparam seus ninhos em forma bem fechada. Em outras línguas os
Calafates são conhecidos como Pardais, como em Portugal (Pardal de Java), na Espanha (Gorrion
del Java) e na Inglaterra (Java
Sparrow).
Os Calafates
são criados pelo mundo pelo menos desde o século XIX e no Brasil há mais de 50
anos. Seu padrão de cor e as diversas mutações encantam criadores mundo a fora,
tendo inclusive, casos de Calafates mansos que vivem soltos nas casas de seus
proprietários.
Alimentação
Como os demais
estrildídeos, os Calafates possuem a alimentação à base de sementes,
utilizando-se a mistura tradicional para exóticos, com base em painço e
alpiste, além de uma boa farinhada. Com base à sua dieta original, deve-se
oferecer aos mesmos arroz com casca e na minha criação, sempre oferecia aos
casais com filhotes um pote com aveia e outro com níger, além de milho verde. Pode-se
oferecer também coxos com alimentação extrusada, como um complemento às
sementes.
Eu sempre
fiquei admirado com o apetite dos Calafates, onde não havia desperdícios. Todo
alimento oferecido era prontamente consumido.
Reprodução
Ave de temperamento
dócil, mas demonstra certo grau de territorialidade, principalmente na época de
reprodução. Entretanto, isto não o impede de ser criado em colônias, inclusive
colônias mistas com outras espécies de estriltídeos ou até mesmo columbídeos
(Rolinhas Diamantes) ou psitacídeos (Periquitos Australianos e Calopsitas). São
aves resistentes, se adaptando muito bem em viveiros externos, desde estejam
protegidos de ventos. Um problema em relação aos Calafates é a capacidade de se
estressarem de maneira fácil, podendo se debater até a morte, apesar de eu
nunca presenciar óbitos por sustos em nosso criadouro.
A reprodução
pode ser tentada em gaiolas criadeiras para canários belgas (gaiolas
argentinas), com o ninho em formato de caixa. Segundo muitos criadores, os
ninhos com melhor aproveitamento são os retangulares usados em criação de
periquitos australianos, e não as caixinhas comumente usadas nas demais
espécies de exóticos. Tem criador que os reproduz em gaiolas para Periquitos
Ingleses ou Agapornis.
Na época em
que os criava, mantinha os casais em gaiolas criadeiras de canários, daqueles
modelos pequenos (48 cm de comprimento), com apenas quatro comedouros
meias-luas e com o ninho de periquitos na parte externa. Reproduzia-os
perfeitamente nestas condições. Os filhotes e adultos fora da reprodução
ficavam em conjuntos de argentinas com laterais móveis, com um espaço interno
de até 2 m de comprimento.
Um item
importantíssimo é oferecer material para a confecção do ninho, pois como o seu
nome já diz, eles tem que calafetá-lo antes de iniciarem a postura dos ovos. No
meu criadouro costumava oferecer palha de milho verde desfiada ou até mesmo
papel de pão cortado. Cuidado com fios e estopas que podem enrolar nas patas
dos filhotes e adultos.
A postura é de
aproximadamente 4 a 8 ovos com tempo de incubação de 13 a 15 dias, estando
independentes por volta dos 35 a 45 dias de vida. O anilhamento varia do sétimo
ao nono dia, com anilhas de 3,2 mm. Os Calafates filhotes possuem a coloração
parda e por volta dos três meses de vida, realizam a primeira muda onde
adquirem a coloração característica, as bochechas brancas e a despigmentação
melânica do bico.
São excelentes
pais, cuidando e revezando tanto na incubação quanto no trato dos filhotes,
diferente dos seus primos de Timor, que precisam ter seus filhotes repassados
para amas-secas. A única dificuldade é a
formação do casal, pois a espécie não possui um dimorfismo sexual acentuado. O
canto e a dança de corte (outra característica marcante dos Munias) realizado
pelo macho são os diagnósticos mais seguros para a sexagem, sem se utilizar dos
recursos da biotecnologia através da leitura do seu DNA.
Há também a
sexagem através da observação de duas características, mais complicadas do que
o canto: o formato do bico e dos anéis ao redor dos olhos. Os machos possuem a
base do bico mais larga e com o afinamento em direção à ponta menos expressiva
do que as fêmeas. Além do mais, o topo do bico dos machos é mais elevado. Já o
anel ao redor dos olhos do macho é um pouco mais largo do que das fêmeas.
Em mutações
onde ocorreu certo nível de diluição da melanina ou sua transformação para
marrom, ainda temos a capacidade de recorrer a este dimorfismo sexual: machos
possuem a cor da melanina mais escura que as fêmeas. Tal
característica era bem observada em nosso criadouro.
Mutações
Devido ao
tempo que já se encontra em cativeiro, os Calafates já possuem uma gama de
cores oriundas de mutações e combinações. Como é uma ave com
coloração puramente melânica, tendo o padrão selvagem a deposição de melanina
negra em sua cabeça e cauda e uma bela envoltura (melanina negra pulverizada)
cinza azulada pelo dorso e peito, as mutações só ocorrem na troca da cor, na
diluição ou na ausência da melanina. As mutações e suas informações genéticas
estão na Tabela 01.
Tabela 01 Genética das mutações em Lonchura oryzivora.
Cor
|
Genética
|
Cinza
(padrão selvagem)
|
Dominante
|
Arlequim
|
Dominância parcial
|
Branco
|
Dominância parcial à seleção do arlequim
|
Albino
|
Sexo-ligado? Combinação entre Branco e Isabel?
|
Canela
|
Autossômico recessivo
|
Isabel
|
Autossômico recessivo
|
Acetinado
|
Sexo-ligado
|
Pastel
|
Sexo-ligado
|
Prateado
|
Autossômico recessivo
|
Ágata
|
Autossômico recessivo
|
Não posso
deixar de mencionar aqui que de todas as espécies mais criadas de exóticos
(Mandarim, Manon, Gould, Bavete, Sparrow e Calafate), o Calafate é o que
apresenta a maior discrepância de informações entre as diversas fontes de
consultas, principalmente entre as homepages
dos diversos criadores europeus e americanos.
Um exemplo
interessante, a menção da existência de duas mutações distintas acaneladas
(Canela e Isabel), só é mencionada em uma homepage de um criador holandês. Nas
demais que eu conheço, ou só falam dos canelas ou só dos isabéis.
Outra cor
confusa é o albino, onde alguns dizem ser sexo-ligado e outros dizem ser uma
combinação entre isabel e branco. Na verdade temos três cores de olhos, pretos,
castanhos e vermelhos. Seriam uma combinação do branco com cinza, canela e isabel
respectivamente? Como eu nunca criei albinos, fico com esta dúvida até hoje.
E por último,
nossos acetinados não eram mencionados em lugar algum, até a foto que eu tinha
de uma fêmea impressionava meus colegas criadores da Europa, mas agora, ela já
mencionada como um canela-ino ou uma combinação de canela com uma mutação
italiana chamada mascherato (mascarado), que também é sexo-ligado. Um fato
interessante é que na Holanda, país com grande tradição na criação de
Calafates, a mutação ágata passou a ser chamada de topázio e o tal mascherato
virou o ágata deles.
Na
nomenclatura oficial da OBJO, o Calafate pertence ao Grupo EX4, com apenas um
subgrupo, apresentando 13 classes, a saber:
EX40101 - Cinza
|
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EX40102 – Canela
|
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EX40103 – Isabel
|
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EX40104 – Acetinado
|
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EX040105 – Branco (olhos pretos ou avermelhados)
EX40106 – Albino
EX40107 - Prateado
EX40108 – Arlequim LinhaCinza
EX40109 – Arlequim Linha Canela
EX40110 - Pastel
EX40111 - Ágata
EX40112 - Combinações
EX40113 – Outras Mutações
|
Já o Calafate de Timor,
pertence ao Grupo EX6, subgrupo 01 Munias, a saber:
EX60114 – Calafate do Timor.
Considerações finais
Os Calafates
são, sem dúvida alguma, aves fabulosas! Sua plumagem sedosa e coloração
impressionante, como se tivesse sido pintado a mão com pincel. São umas das
poucas espécies criadas em cativeiro que a forma selvagem é tão ou até mesmo
mais bonita que muitas das mutações, apesar do Calafate ter mutações e
combinações bem atraentes.
São aves bem
resistentes e de fácil procriação, não dando muito trabalho ao criador. Apesar
de que ter aves reservas e casais de amas não seria uma boa opção.
Deixo aqui
algumas dicas de como eu montava meus casais em relação à cor: usava muito
portadores! Por quê? Para intensificar a cor dos mutantes. Deixe-me explicar
melhor:
Na linha dos
canelas, eu sempre usava a cada duas gerações, cinzas bem (sem infiltração
branca no capuz preto) para que os canelas descendentes tivessem a marcação
marrom da cabeça bem escura. Reparei que após gerações entre canelas, a cor da
cabeça dava uma esmaecida. O mesmo eu fazia com os prateados. Não sei se o
esmaecimento ocorria nos pastéis, pois nunca os tive.
Brancos só
eram acasalados com arlequins. Pois como representam uma característica
genética de dominância parcial, ao se cruzar um branco com um cinza bem marcado,
os filhotes nascerão com pintas brancas pelo corpo (arlequins mal marcados) e
estas pintas são praticamente impossível de serem limpas, caso queira voltar os
animais para a linha dos cinzas bem marcados. Por isto nunca recomendo por em
uma colônia Calafates brancos, pois praticamente com o passar das gerações,
todas as aves irão “pintar” de branco seus corpos. Às vezes esta pinta será
apenas um sinal branco abaixo do bico da ave.
Desde a
entrada do IBAMA no mundo dos pássaros exóticos, a presença dos Calafates em petshops
e aviários diminuiu bastante. Lembro-me na época que, mesmo antes da liberação
das INs, os fiscais em alguns estados do país já estavam apreendendo as aves em
muitos lugares. Tal fato fez com que muitos criadores deixassem de criá-los. Eu
mesmo, com receio de uma visita fiscalizadora, acabei me desfazendo do plantel.
O que me arrependo até hoje!
Nos
campeonatos brasileiros da federação ornitológica, a presença dos Calafates
ainda se mantém, tendo sido apresentados 120 aves em 2014. Ao se observar os números de conjuntos classificados em 2013 e 2014 e o número de indivíduos
apresentados no campeonato de 2014, constata-se
que muitas das classes conseguem ter cinco conjuntos classificados no
individual, mas nem todas tem quartetos.
E considerando as cores mais inscritas
em 2014 como as mais criadas pelos criadores, temos a cor cinza (padrão
selvagem), branco e prateado como a preferência.
E a novidade
em 2014 foi a apresentação e classificação de um indivíduo de Calafate de
Timor, do criador Mauro Garcia.
Convido a
todos os leitores, que tenham dados sobre os Calafates, como manejo e genética,
que compartilhe conosco (rgc_passaros@yahoo.com.br ou RGC – Pássaros no
Facebook). Estou longe de ser o senhor da verdade (tenho mais dúvidas e
curiosidades do que certezas rs rs) e temos muito a aprender sobre esta espécie
magnífica.
Um abraço e até a
próxima!!!
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